As produções de Flávio Adriano são como uma adaga cortante que perscrutam zonas obscuras e intocáveis do inconsciente. Tem a potência de nos conduzir a várias perguntas sobre aspectos pessoais de funcionamento singular e coletivo. É através da literatura que ele põe no papel os segredos que habitam os pensamentos e com a poesia, faz segregar secretos segredos sagrados-sangrantes. Quase um trava-línguas. Uma colisão.
Uma colisão cuja qual na língua de nossa pátria e solo-outro, a dita portuguesa, tem a função de repetição de consoantes iguais ou semelhantes, provocando dissonância, gerando desassossego.
Na vida, é o ato ou efeito de colidir, embate entre os corpos pensantes. Corpos que lutam para amar, que lutam para existir. Provocando dissonâncias, sequestrando ex-sistências.
Destaque especial se faz para as poesias que representam sujeitos que encontram no corpo um lugar, um sentido entre os pares, provocando fogo, sangue, subversão e amor-próprio.
E assim é Amar-Lutar. Nos faz pensar na capacidade do nosso progresso psíquico, na suplência de existir para além das grossas correntes do inconsciente e do interminável rechaço tão bem transmitido pela coletividade.
Inicia a obra com uma fluida viagem paratextual que atrai desde o leitor mais exigente ao mais iniciante. De modo intrigante e instigante, a sensualidade das experiências é escancarada na escrita, demostrando conjuntamente a densa militância em busca de uma causa própria.
Causa esta que enseja tamponar a dor das insuficiências com a poesia, que põe o amor a lutar contra as amarguras e arranca as escaras da marginalidade com as palavras.
O livro mostra uma possibilidade de saída para os afetos presos, que podem ser expurgados pela escrita, permitindo existir para si e deixar o desejo fluir. Pode-se caminhar-lutando em espaços nativos, estrangeiros ou infinitos, nos ensinando a magnitude e as múltiplas possibilidades de amar e de agir.
É uma oportunidade de relembrar o quanto podemos apreciar as cores da vida, respeitar e amar o próximo como a nós mesmos. E sobretudo respeitar. Podemos respeitar as Dandara, as femme fatales – ditas criminosas, as Marielle, os João Helio, os Galdino dos Santos, os Wesner Oliveira e tantos mais…
Dentro desse corpo-espaço, cabem muitos aprendizados. Cabe muito amor. Amor ao meu corpo, ao teu corpo e a esses forasteiros corpos-outros. E aos alijados de voz e vez, ora são as minas ora são os manos.
A plaquete baunilha, na obra Amar-Lutar, de Flavio Adriano, demostra com seus escritos poéticos que todos têm algo a contribuir para a sociedade. Também entendemos que não precisamos repetir inutilidades e cobrir as ruas de rubros sangue, porque já o são.
O imperfeito pretérito se faz presente.
A poesia é uma linguagem que nos ensina a prosseguir quando nada nos é oferecido, podemos barrar pecados, prevenir pedras tacadas nas bichas e nas Geni, diminuir o retorno do recalcado e, acima de tudo, construir um futuro, um depois e um agora, evitando funestos destinos, sem a necessidade de sangues espargidos.
As ruas podem ser rubras, mas, com pedrinhas brilhantes para o amor passar, desfiladeiros do amor-próprio, do respeito adquirido e da causa em favor da vida.
Sempre poderemos amar, insistir, respeitar e lutar. A militância da vida persiste. Por uma vida digna, por uma colheita-amor, vale ir até o fim.
Plaquete Baunilha. Amar-lutar. Nantes. F. A. Curitiba: Comala, 2024.
Campo Grande-MS, 29 de novembro de 2024.
Autoria
Giovana Guzzo Freire. Psicóloga (CRP14/03270-3). Mestre em Psicologia (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 2015). Psicanalista membro do Fórum do Campo Lacaniano de Mato Grosso do Sul (FCL-MS). Gosta de gatos, cafés e poesias. giovanaguzzo@gmail.com